Texto por Colaborador: 28/08/2017 -

BLOG - Não me lembro de como comecei a gostar de futebol. As primeiras lembranças que tenho são de meus pais me colocarem na frente da TV para admirar um esporte do qual eu nem entendia. Naquela época infantil não fazia ideia da paixão que aqueles noventa minutos seriam capazes de me causar. Ainda me pergunto como isso acontece, no gramado que é um tapete real para desfile de talentos. São as jogadas bem orquestradas do meio de campo que botam o centroavante (se é que ainda existem centroavantes clássicos como os de antigamente) na cara do gol, o goleiro elástico que defende bolas de qualquer ângulo e de qualquer forma, ou é a saga da zaga guerreira que mais parecem gladiadores impedindo os adversários de passar.

É o grito que ninguém cala, a paixão pulsante na veia, aquele clima gostoso do entardecer no estádio que mais parece um caldeirão fervente. É uma mistura de sensações e emoções que fazem até o mais austero coração se desmanchar em lágrimas quando o time ganha. Não sei qual desses motivos é o principal, só sei que todos eles fizeram nascer um fanatismo em meu peito, como uma paixão súbita e proibida que só cresce.

Mas a magia que nos encanta também pode ir embora rápido demais. Fui crescendo e vendo aquele esporte lindo que conheci perder o seu brilho. As jogadas boas já eram escassas, os jogos mornos e sem emoção, os craques de antes agora só se viam na TV, isso quando se sabe de onde vêm. Na maioria das vezes a gente só os conhece quando já aparecem na seleção. O futebol tinha perdido aquele poder de fazer o meu olhar brilhar. Em seu lugar ficou apenas o brilho dos negócios e do talento que virou commodity para se vender da maneira mais rentável.

Meu coração estava desacreditado. Aquela paixão da infância que parte levando um pedaço de nós. Até que eu a reencontrei. E agora ela tinha nuances de amarelo e preto. Lembro- me bem do primeiro jogo onde vi a torcida cantar apaixonada "Youll never walk alone" e pintar o estádio como uma tela a óleo com a sua festa. Me recordei daquele amor de infância que eu já não via mais há muito tempo.

É uma média de público impressionante por cada partida, um grito único e que ninguém cala. O sangue aflorando na pele em cada lance. Aquela luta de gladiadores querendo defender o seu gol. Os talentos que mostravam que era possível sim que meninos e meninas ainda sonhassem em serem jogadores de futebol.

O mais irônico é que nas temporadas seguintes voltei a me desencantar. A era das commodities estava de volta e assisti muitos que considerava ídolos irem embora buscando mais fama e mais dinheiro. Assim como vi outros resistirem bravamente e me fazem me orgulhar desse time. Vi novos gladiadores chegarem para remontar aquele espetáculo dramático digno dos melhores roteiros de Shakespeare.

Então você deve se perguntar por que eu continuo usando essa camisa aurinegra? É talvez eu goste mesmo de sofrer, daquela tortura dantesca de ter que suportar noventa minutos de agonia para ver o time vencer, ou às vezes não. Aquela emoção de quando você sente a jogada dando certo, a taquicardia de uma disputa de pênaltis e esse canto incessante que me faz arrepiar. Sim a paixão é irônica e bem satírica. Aquele que lhe faz sofrer num dia, no outro, lhe faz explodir de felicidade. Talvez seja por isso que ainda sigo tão iludida de amor por essa paixão, nada fugaz, chamada futebol.

Por Carla Taissa